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Relações Brasil-China devem ser reconstruídas pensando futuro, diz professor

Written by Christoper Jackson

O encontro do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o representante do governo da China, Xie Zhenhua, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP 27), no Egito, pode simbolizar uma tentativa de reconstrução das relações entre os dois países. A avaliação é do coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio, Evandro Menezes de Carvalho.

“Há uma reinicialização e há uma expectativa dos países de que o Brasil volte a ser um país que faça a boa diplomacia, inclusive se concentrando nos temas mais relevantes de interesse nacional e para a convergência do conjunto de interesses da humanidade. Nesse primeiro encontro, vejo uma sinalização de que o governo Lula quer abrir, reiniciar esse diálogo com a China em bases soberanas e respeitosas”, sustentou Evandro.

A conversa entre Lula e Xie Zhenhua ocorreu na última terça-feira, quando o presidente que vai iniciar o governo em janeiro também estabeleceu reuniões com representantes de outros países. Historicamente, China e Brasil mantêm boas relações, principalmente na economia, já que pouco mais de 20% das exportações brasileiras têm o país asiático como origem. Entre janeiro e agosto deste ano, as vendas de produtos nacionais à China representaram um superávit de US$ 23,3 bilhões para o Brasil.

Após o resultado das eleições presidenciais brasileiras, o presidente chinês, Xi Jinping, citou que a vitória do petista foi de “grande importância ao desenvolvimento das relações” entre os países. “Estou disposto a trabalhar com o presidente eleito Lula, de uma perspectiva estratégica e de longo prazo, para planejar e promover conjuntamente a um novo patamar a parceria estratégica abrangente entre a China e o Brasil, em benefício dos dois países e seus povos”, disse Jinping.

Mas o estabelecimento de relações políticas e econômicas pensando a médio e longo prazo é justamente um dos grandes desafios do governo Lula, na avaliação do professor Evandro Menezes de Carvalho. Ele cita que a política de relações exteriores que será adotada no terceiro governo de Lula ainda é uma incógnita, mas que independentemente dos nomes responsáveis pela diplomacia brasileira, é preciso repensar o tratamento dado à China.

Ele julga importante priorizar a formalização de novos acordos de cooperação com outros setores, para manutenção e longevidade das relações econômicas, atualmente concentradas em commodities como minério, petróleo, soja, algodão e carnes. “O mais importante não é beneficiar os setores já beneficiados nas relações com a China. É utilizar dessa relação atual para abrir novos caminhos de parceria, cooperação, que sejam de interesse do Brasil. Se hoje tem 99% das exportações focadas em commodities, é um risco a médio prazo. Hoje o Brasil é superavitário, mas o que está sendo feito para os próximos 20, 30 anos?”, indagou Evandro.

Para o docente, a equipe montada por Lula deveria seguir uma agenda com os chineses totalmente paralela às relações estabelecidas com outros países como os Estados Unidos. O pesquisador citou que é importante eliminar mentiras e aspectos de senso comum, como os que permearam o surgimento da Covid-19 e a produção de vacinas no país, que se mostraram presentes em discursos do presidente Jair Bolsonaro (PL), um dos contestadores da eficácia de imunizantes chineses.

“Em primeiro lugar, o Brasil deve construir uma atmosfera de diálogo com a China ao mesmo nível que tem com os países ocidentais. Pela ignorância gigantesca sobre o que é a China hoje, como se houvesse ainda uma certa resistência, desconfiança não construíram uma atmosfera de diálogo que se construiu com o Ocidente. Quando entenderem a China como ela é hoje, as relações vão melhorar qualitativamente de maneira jamais imaginada”, ponderou Menezes.

O professor explica que o país liderado por Xi Jinping adota códigos próprios de linguagem diplomática na política externa. “A China não está mais no rastro do que o Ocidente propõe. É um país hoje que propõe iniciativas novas de política externa, que tem um dicionário diplomático, com a assinatura chinesa. O Brasil precisa entender bem as propostas, conceitos, perfil da diplomacia chinesa”, alertou Evandro que citou iniciativas de desenvolvimento global, internacionalização da moeda chinesa e os avanços no conceito de comunidade de destino comum como aspectos difundidos no país.

Ganhos


Um fortalecimento das relações entre os dois países, pondera Evandro Menezes, poderia ajudar na entrada de empresas brasileiras, principalmente do setor de serviços, no mercado chinês. Ele também cita possíveis ganhos na área de tecnologia e ciência em geral. “O Brasil precisa criar condições para que as empresas brasileiras estejam mais presentes no mercado chinês”, defende.

O desejo apresentado por Lula durante discurso na COP 27, de tornar o país referência mundial na pauta ambiental, também pode ser outro fator de união com os chineses, segundo o professor Evandro Menezes. “Há um potencial enorme de cooperação dos dois países no enfrentamento de questões climáticas que têm alcance global. A China também tem se mostrado um país que avançou muito nessa área, inclusive na promoção do desenvolvimento verde, com posição de destaque na energia solar, eólica”, argumentou Carvalho.

O docente destacou medidas adotadas internamente, como o desejo do governo de Xi Jinping em acelerar o cumprimento das metas de descarbonização previstas mundialmente até 2030. “O Brasil precisa dialogar mais com a China sobre esses temas, e descobrir essa nova China que passa a considerar as questões climáticas e tudo que envolve a luta ambiental. É um tema que a China tem avançado bastante e pode cooperar muito com o Brasil. E o Brasil, obviamente, sempre foi um país de muita legitimidade nesses assuntos”, complementou.

Equipe de transição diplomática


Nesta quarta-feira (16), o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB) anunciou os nomes que vão integrar a equipe de transição de governo nas tratativas sobre relações exteriores. Entre os escolhidos, está o ex-senador e ex-ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes. É o primeiro nome do PSDB a ser oficialmente anunciado como integrante da transição.

Além de Aloysio Nunes, outro ex-chanceler anunciado para o grupo de transição foi Celso Amorim, que ocupou o cargo de 2003 a 2015, nos governos Lula e Dilma Rousseff. Também irá integrar a equipe o ex-senador Cristovam Buarque. Ex-petista, foi ministro da Educação no início do governo Lula, mas após ter sido demitido, deixou o partido.

“Nessa equipe de transição, não vejo, por exemplo, pessoas especialistas em China. Isso acho um problema. Vejo pessoas bem relacionadas, com Estados Unidos, Europa, mas não dá para avaliar qual será o elemento de diferenciação, nem digo ao governo Bolsonaro, que foi um desastre diplomático, mas aos mandatos 1 e 2 de Lula”, opinou Evandro Menezes.

Confira os demais nomes que irão integrar o grupo de trabalho de relações exteriores:


Audo Faleiro – agrônomo, diplomata, ex-assessor para assuntos internacionais da Presidência da República nos governos Lula e Dilma
Monica Valente – psicóloga, foi Secretária de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores
Monica Valente – psicóloga, foi Secretária de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores
Pedro Abramovay – Advogado, doutor em ciência política, ex-secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça no governo Lula
Romênio Pereira – secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores

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